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Direito do Trabalho

Atualizado 04/12/2016

TRT4. ACIDENTE DE TRAJETO. NÃO CONFIGURAÇÃO.

Carlos Stoever

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TRT4. ACIDENTE DE TRAJETO. NÃO CONFIGURAÇÃO.
Identificação

PROCESSOnº 0020379-52.2015.5.04.0663 (RO)RECORRENTE: —–RECORRIDO: —–RELATOR: TÂNIA REGINA SILVA RECKZIEGEL

EMENTA
ACIDENTE DE TRAJETO. NÃO CONFIGURAÇÃO. Espécieem que, negado o acidente de trajeto pela reclamada, incumbia ao autor o ônus da prova quanto ao fato constitutivo de seudireito, na forma dos artigos 818 da CLT e 373, I, do Novo CPC.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.

ACORDAM os Magistrados integrantes da 2ª Turma do TribunalRegional do Trabalho da 4ª Região: preliminarmente, por unanimidade, não conhecer da prefacial deduzida em contrarrazões pelareclamada. No mérito, por unanimidade, negar provimento ao recurso do reclamante – PAULO ROBERTO DA SILVA.

Intime-se.

Porto Alegre, 23 de novembro de 2016 (quarta-feira).

Cabeçalho do acórdão
Acórdão
RELATÓRIO
O reclamante recorre da sentença que julgou a ação improcedente.Em seu recurso ordinário, pretende o reparo da sentença quanto ao alegado acidente de trajeto, indenização por dano morale honorários advocatícios.

Com contrarrazões da reclamada, vêm os autos ao Tribunal para julgamentoe são distribuídos a esta Relatora.

É o relatório.

FUNDAMENTAÇÃO
PRELIMINARMENTE

Contrarrazões da reclamada

A reclamada alega que, pelas declarações prestadas pelatestemunha Solange dos Santos, existe uma amizade íntima com o reclamante, tendo sido arguida a contradita da referida testemunhaem audiência. Diz que, na sentença, a Juíza reconheceu a existência de amizade entre o reclamante e a filha da testemunha,a ponto de emprestar a moto, mas a contradita foi rejeitada, sob o argumento de que o empréstimo da moto não revelaria amizadeíntima entre a testemunha e o reclamante. Entende que não é crível que alguém empreste um veículo para quem que não tenhaprofunda confiança e consideração, uma vez que a responsabilidade pelo uso do veículo e eventuais danos a terceiros são deresponsabilidade do proprietário. Reitera a contradita.

Examino.

Deixo de acolher a preliminar arguida pela reclamada, porquantoa pretensão deduzida deveria ter sido manifestada por meio de recurso ordinário, e não nas presentes contrarrazões.

De todo modo, a valoração dos depoimentos prestados é matéria demérito e será examinada quando da apreciação do recurso do reclamante.

Rejeito.

MÉRITO

RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE

Acidente de trajeto

O reclamante alega que faz jus a indenização por acidentede trabalho, tendo em vista a hipótese de acidente de trajeto ou in itinere, prevista no artigo 21 da Lei nº 8213/91.Diz que o acidente sofrido equipara-se a acidente de trabalho, pois ocorreu no início da jornada, no percurso da residênciapara o local de trabalho. Cita o art. 7º, inciso XXVIII, da CF. Menciona os pressupostos da responsabilidade civil, consoanteo disposto nos artigos 186 a 188, 927 e 944 do Código Civil. Entende que a testemunha ouvida foi esclarecedora ao afirmar:“… que o reclamante falou que ia usar a moto para ir trabalhar; que alguns minutos após, o reclamante voltou e comentouque havia se acidentado com a moto; que isso ocorreu umas duas quadras da casa da depoente”. Discorre sobre acidentesde trajeto e discorda do entendimento do Juízo de que o autor assumiu o risco ao ir para o trabalho de motocicleta e não detransporte público. Aduz que o fato de se deslocar de motocicleta foi plenamente esclarecido pela testemunha e que o acidentese caracteriza quando há o trajeto normal do empregado, da residência para o trabalho e vice-versa, como ocorreu no caso.Colaciona jurisprudência. Insurge-se contra a fundamentação da sentença que acolheu o depoimento da testemunha da reclamadaque refere “que o próprio autor teria lhe dito que sofreu acidente no final de semana em atividades particulares, o quejá desnatura o acidente de trajeto”, referindo se tratar de fato modificativo do direito do autor, sendo ônus do empregador,não comprovado pela mera alegação de uma testemunha. Conclui que sofreu acidente de trajeto que acarretou na fratura da mão,razão pela qual teve concedido pelo INSS benefício de auxílio-doença acidentário (B.91). Requer a reforma da decisão paracondenar a reclamada nos termos postulado na inicial, com declaração de nulidade da despedida e reintegração (itens a, b,c e d).

Examino.

Na inicial, o autor relatou que laborou para a reclamada de 01.11.2013a 02.02.2015, sendo que, em 31.10.2014 (sexta-feira), sofreu acidente de trajeto, mas que somente foi consultar um médicona segunda-feira, pois não atentou para a gravidade da lesão. Em razão do inchaço e dores na mão direita, afirmou que procurouassistência médica, sendo diagnosticada fratura na mão direita, conforme atestado médico, e após, em 21.11.2014, foi concedidobenefício previdenciário, código 91, com e alta em 31.12.2014, quando retornou para a empresa, sendo dispensado em 02.02.2015.

Na contestação, a reclamada impugnou veementemente a alegação deocorrência de acidente de trajeto, afirmando que o reclamante não se acidentou no percurso entre sua residência e o trabalho,tanto que o atestado médico juntado pelo autor foi emitido em 05.11.2014 (quarta-feira), seis dias após o suposto acidente.Mencionou que o suposto acidente ocorreu em motocicleta e que o reclamante recebia vale-transporte, razão pela qual não estáconfigurado acidente de trajeto e, mais, que o acidente teria ocorrido no final de semana e não na sexta-feira indo para otrabalho.

Diante da expressa negativa da empregadora quanto ao acidente detrabalho, cabia ao reclamante fazer prova cabal de suas afirmações, conforme determinam o art. 818 da CLT e art. 373, I, doNovo CPC, ônus do qual não se desincumbiu, porquanto não restou comprovado nos autos que ele tenha sofrido o acidente alegadona inicial.

Foram anexados aos autos os seguintes documentos: atestado médicodatado de 05.11.2014, apontando a necessidade de repouso de 05 dias, a partir de 03.11.2014 (ID abf514b); formulário do INSSindicando a ocorrência de acidente de trajeto em 31.10.2014, às 7h20min, ocasião em que o reclamante rodopiou a moto, causandoa queda (ID c4e4f91); CAT emitida pelo Sindicato em 12.11.2014, indicando como agente causador “motocicleta, motoneta”; partedo corpo “antebraço (entre punho e cotovelo); natureza da lesão “fratura do primeiro metacarpo” (ID c4e4f91 – pág.2/3); comunicadode concessão de auxílio-doença acidentário (modalidade 91) em 16.11.2014 (ID 3db7ac7), cessado em 31.12.2014 (ID b0f04cf).

Os cartões-ponto demonstram que o último dia trabalhado pelo reclamantefoi 30.10.2014, havendo faltas injustificadas nos dias seguintes, e ausência justificada a partir de 05.11.2014, pela apresentaçãode atestado médico (ID 09a090e – Pág. 3/4).

A testemunha Solange dos Santos, convidada pelo autor, relatou que”conhece o reclamante porque ele também morava na vila onde a depoente mora; que a reclamada conhece apenas de nome nuncalá tendo trabalhado; que o reclamante costumava pegar o ônibus por volta de 07h05minpara ir trabalhar; que isso ocorria diariamente; que o reclamante morava com uma tia na rua de cima da da depoente; que nãosabe se o reclamante tinha carro ou moto; que um dia há uns 2 anos sabe que o reclamante perdeu o ônibus porque este bateuna sua casa e o reclamante pediu emprestada a moto da filha da depoente; que o reclamante falou que ia usar a moto para irtrabalhar; que alguns minutos após, o reclamante voltou e comentou que havia se acidentado com a moto; que isso ocorreuumas duas quadras da casa da depoente; que a filha da depoente é amiga do reclamante; que o reclamante falou com a depoentesobre pedir a moto” (grifei).

A testemunha Jonatas Barcella Pinto, ouvida a convite da reclamada,declarou que “trabalha na reclamada desde outubro de 2013; que no final de 2014,não podendo precisar a data, o depoente viu que o reclamante estava com a mão enfaixada e perguntou o que ocorreu; que o reclamantecomentou que estava andando de moto com o sobrinho e teria caído inclusive naquele dia estava trazendo o atestado para a empresa;que isso teria ocorrido na cidade de Getúlio Vargas e no final de semana” (grifei).

Mantenho o entendimento da Magistrada da origem pelos seus própriose judiciosos fundamentos, que bem enfrentaram a controvérsia dos autos:

Tenho que improsperam todos os pedidos do reclamante porquanto não tenhocomo ocorrido o alegado acidente de trajeto e, ainda que tivesse ocorrido, tenho que este não era equiparado a acidente detrabalho porquanto o reclamante tinha que ir trabalhar de ônibus e neste dia teria feito o trajeto de moto.

Inicialmente o reclamantediz que o acidente teria ocorrido numa 6ª feira pela manhã, portanto, dia 31.10.2014 e, conforme a petição inicial o reclamanteteria fraturado a mão. Tal não é passível e ter como veraz, porquanto ninguém aguentaria uma fratura por mais de dois diassem medição, carecendo de razoabilidade a alegação do autor.

Ademais, o atestado médicoda fl. 14 é datado de 05.11.2014 (uma 4ª feira) e não de 2a feira, dia 03.11.2014, apenas o atestado justifica ausência doreclamante a partir de 03.11.2014. Assim, depreendo que se o reclamante fraturou a mão na 6ª. Feira, dia 31.10.214, somenteprocurou auxílio médico em 05.11.2014, o que fere o razoável.

Os demais atestados sãode datas posteriores.

Ademais, mesmo que secogitasse tal hipótese a testemunha Jonatas refere que o próprio autor teria lhe dito que sofreu acidente no final de semanaem atividades particulares, o que já desnatura o alegado acidente de trajeto.

Não só isso.

O acidente de trajeto,para fins previdenciários, é equiparado a acidente do trabalho propriamente dito (típico), a teor do disposto no art. 21,IV, “d”, da Lei nº 8.213/91. Contudo, o infortúnio deve ocorrer no trajeto residência-trabalho-residência e dentro das condiçõesnormais e habituais do empregado.

O reclamante ia e voltavado trabalho de ônibus, fato alegado pela reclamada e confirmado pelo teor do depoimento da testemunha ouvida a convite doreclamante. Assim, se o reclamante alterou a condição normal de ida ao trabalho e optou por ir de moto, tal não atrai o deverde indenizar da reclamada, porquanto esta não se responsabiliza pela opção do autor em usar meio de locomoção muito mais perigosoque o ônibus.

Portanto, tenho que oreclamante, quando se acidentou não estava no trajeto residência trabalho e, ainda que estivesse, o que se diz ao saber doargumento, tenho que não faria jus a indenização decorrente da garantia de emprego a que alude o art. 118 da lei º 8.213/91ou mesmo lei nº 9029/90 porquanto alterou a condição normal do seu trajeto para ir trabalhar, o que não era de conhecimentoda empresa.

Ante o exposto, por nãoconfigurado o acidente de trajeto, indefiro os pedidos ‘a’, ‘b’, ‘c’ e ‘d’.

Por não verificar ocorrênciade ato ilícito pratico pela reclamada – pressuposto da indenização civil, indefiro o pedido de letra ‘e’, porquanto ausentedever de indenizar.

Na mesma linha da sentença, entendo que o conjunto probatório nãoevidencia a ocorrência do alegado acidente de trajeto, em 31.10.2014, pois os documentos juntados aos autos revelam que apenasem 05.11.2014 o autor procurou atendimento médico, não sendo crível que tenha suportado a dor de uma fratura na mão direitapor tanto tempo.

Saliento que a prova documental demonstra que o reclamante faziao deslocamento ao trabalho por meio de transporte público, tanto que recebeu vale-transporte durante todo o contrato de trabalho,conforme documentação juntada aos autos, não sendo igualmente crível que a testemunha por ele convidada tenha lembrança deque um dia, há uns 2 anos, o autor perdeu o ônibus para o trabalho e pediu a motocicleta emprestada da filha da depoente.Por outro lado, considero plausível o depoimento da testemunha Jonatas, ao mencionar que “o reclamante comentou que estavaandando de moto com o sobrinho e teria caído inclusive naquele dia estava trazendo o atestado para a empresa”.

Ademais, o recorrente juntou atestado médico datado de 05.11.2014,apontando a necessidade de repouso de 05 dias, a partir de 03.11.2014, segunda-feira (ID abf514b), o que vai de encontro comsuas afirmações quanto à ocorrência do acidente em 31.10.2014.

Por fim, o fato do Sindicato do autor ter emitido CAT não elidetal entendimento, diante do contexto probatório, que leva à conclusão de que o acidente ocorreu fora do horário de deslocamentodo reclamante para o trabalho.

Mantida a improcedência, não há falar em pagamento de indenizaçãopor danos morais e honorários advocatícios.

Nego provimento ao recurso.

Assinatura

TÂNIA REGINA SILVA RECKZIEGEL

Relator

VOTOS
DESEMBARGADOR MARCELO JOSÉ FERLIN D AMBROSO:

Acompanho o voto da Exma. Desa. Relatora, em consonância de seusfundamentos.

DESEMBARGADORA TÂNIA ROSA MACIEL DEOLIVEIRA:

Acompanho o voto da Exma. Desembargadora Relatora.

PARTICIPARAM DO JULGAMENTO:

DESEMBARGADORA TÂNIA REGINA SILVA RECKZIEGEL (RELATORA)

DESEMBARGADOR MARCELO JOSÉ FERLIN D AMBROSO

DESEMBARGADORA TÂNIA ROSA MACIEL DE OLIVEIRA

Foto de Carlos Stoever

Carlos Stoever

(Advogado Especialista em Direito Público)

Advogado. Especialista em Direito Público pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e MBA em Gestão de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas. Consultor de Empresas formado pela Fundação Getúlio Vargas. Palestrante na área de Licitações e Contratos Administrativos, em cursos abertos e in company. Consultor em Processos Licitatórios e na Gestão de Contratos Públicos.

@calos-stoever

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